RIO - Depois de dez anos de carreira, a cantora Maria Rita viu boa parte de seus achismos irem por água abaixo. Ela descobriu, por exemplo, que não precisava ter um disco antes de sair com um show (seu último, “Elo”, do ano passado, só foi gravado depois de um ano e meio na estrada com um espetáculo). E chegou à conclusão de que não ganhava nada em reprimir a emoção ao cantar o repertório da mãe, Elis Regina, no show “Redescobrir”, que ela faz de sexta a domingo, no Citibank Hall — um dos vários eventos que lembram os 30 anos da morte de Elis, e que incluem exposição, livro, filme e reedições de discos. Veja acima apresentações de Elis Regina em programas da TV francesa nos anos 1960, que vão estar na mostra.
— Eu até nem me preocupo mais em fazer bonito. Eu simplesmente paro de cantar, deixo as pessoas cantarem, choro que nem uma besta — conta. — Nesse show, sou mais filha que cantora.
“Redescobrir” nasceu do projeto Nivea Viva Elis, patrocinado pelo fabricante de produtos de beleza, que incluía cinco shows em grandes capitais, no qual Maria Rita, que até então só havia cantado uma música do repertório da mãe ( “Essa mulher”, para a TV), enfileirou 28 músicas da Pimentinha.
— No princípio, eu achava que não poderia nem ser uma coisa boa para a minha carreira. Depois de um show desses, você ia fazer o que da vida? — argumenta ela, que se surpreendeu com a receptividade do público, em especial nos shows em Porto Alegre (no Anfiteatro Pôr do Sol, que reuniu 60 mil pessoas) e em São Paulo (que pôs 120 mil fãs no Parque da Juventude). — Fui me apaixonando, fui me entregando. Foi rolando um namoro. Quando dei por mim, vi que não podia parar com o show. Não era mais uma escolha minha, muita gente não tinha conseguido ver e pedia para que eu continuasse.
Em “Redescobrir”, a cantora volta com as mesmas 28 músicas do Viva Elis. Entre elas, clássicos ( “Arrastão”, “Como nossos pais”, “O bêbado e a equilibrista”, “Fascinação”, “Madalena”) e boas surpresas (“Vida de bailarina”, “Vou deitar e rolar”, “Aprendendo a jogar”). Dia 11, em São Paulo, será gravado o seu CD e DVD ao vivo, com direção de Hugo Prata — seu primeiro produto para a Universal Music, na qual está há dois meses, depois de uma carreira fonográfica inteira na Warner.
— Não dava mais pra mudar o roteiro do show. Não tivemos tempo pra ensaiar e pesquisar mais — diz Maria Rita, lamentando ter deixado muitas músicas de fora (“Velha roupa colorida”, o disco “Essa mulher” inteiro, umas tantas do LP “Elis & Tom”). — Eu falo, brincando, que daqui a dez anos eu posso fazer uma parte dois. Lá em cima do palco, sinto falta de umas músicas mais pra cima. Mas aí o show ia começar a ficar muito longo, ia virar um musical!
Para o fim do ano, Maria Rita espera um filho do guitarrista Davi Moraes. É a gravidez, diz ela, que determinará a continuidade de “Redescobrir”.
— A gente tem agenda até início de novembro, depois eu vou dar uma acalmadinha — conta. — Eu tenho um sonho, que é, depois que o meu filho estiver com um, dois meses, voltar com o show e fazer um encerramento no dia 17 de março, que é o aniversário da Elis.
Daí em diante, diz Maria Rita, a tarefa é retomar o projeto de disco autoral que foi “atropelado” pelo “Viva Elis”.
— Eu tenho a imagem pronta desse trabalho, só preciso fazer a trilha sonora. E é uma imagem meio assustadora, agressiva — adianta ela. — Eu tenho as minhas sombras, e essa inquietação, que se manifesta de diversas formas, inclusive agressividade. Mas não é que eu vá sair quebrando guitarra no palco, jogando pedestal na plateia. Talvez o trabalho tome um tom mais político.
Ideologia, eu quero uma pra viver. O verso da canção de Cazuza e Frejat anda ecoando na cabeça da cantora.
— Parece que não é legal falar de política, que é antigo. Eu acho que o artista tem que instigar, dialogar. Esse distanciamento não é saudável. Talvez eu espante meu público, talvez perca espaço. Mas essa é a minha verdade.
Tentando entender o que acontece com a nova música brasileira, Maria Rita ouve os compositores que mandam músicas e as cantoras que despontam. Foi fisgada por Tulipa Ruiz e Gaby Amarantos (“Acho o timbre dela bonito, ela tem uma irreverência bacana.”). Mas se mantém reservada, na sua.
— Um dia, estava conversando com o Alê Yousef (fundador dos Studio SP e RJ), e ele veio falar de uma ideia que tinha tido para desenvolver comigo com essa nova turma. Eu eu fiquei com duas perguntas a fazer. Primeiro: Eles gostariam de trabalhar com uma pessoa como eu, que já tem um nome? E segundo: Eles precisam disso? Não ia atrapalhar o processo deles, gravar com uma artista que tem música na novela?
Bom, mas se hoje em dia mesmo Tulipa mesmo já tem música na novela....
— Ah é? Tô tão por fora... — admite Maria Rita. — Quando eu consigo ver novela, é na hora de “Avenida Brasil”, fico lá torcendo para a Carminha.
Vêm aí exposição, livros, longa e musical
A volta de Maria Rita ao Rio com os shows dedicados a Elis não será a única homenagem à cantora que a cidade verá esses dias. Na próxima quinta-feira, abre no Centro Cultural do Brasil a exposição multimídia “Nivea Viva Elis”, que reúne cerca de 200 fotos da cantora, além de um documentário, entrevistas, ingressos e pôsteres , vídeos de apresentações, especiais de televisão, réplicas de figurinos, além de matérias de revistas e jornais.
O material foi selecionado pelo curador Allen Guimarães entre os arquivos da família e os objetos cedidos pela imprensa e por milhares de fãs e conhecidos de Elis. A exposição já passou por Porto Alegre e São Paulo (onde ficou seis semanas e foi vista por cerca de 35 mil pessoas, só nos fins de semana). Junto com a abertura no Rio, será lançada a biografia “Viva Elis” (Master Books), escrita por Allen, também como parte do projeto com a Nivea. A tiragem do livro será, em parte, distribuída para instituições de ensino do país.
Ainda estão previstos para os próximos meses um longa metragem (que está sendo escrito por Nelson Motta), um musical (em negociação com Nelson) e mais uma biografia da cantora, elaborada pelo jornalista Julio Maria.
Filho de Elis, João Marcello Bôscoli está em estúdio cuidando das reedições dos LPs “Elis” de 1972 e 1973, os quais passarão pela mesma restauração sonora ao qual já foram submetidos “Elis & Tom” (1974), “Falso brilhante” (1976) e “Elis” (1980).
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